5 November 2011

Hoje comprei uma papoila



O respeito pelos ex-combatentes foi uma das coisas que mais me impressionou em Inglaterra quando aqui cheguei. Um dos aspectos mais visíveis desse respeito é a campanha da Royal British Legion que todos os anos angaria fundos vendendo papoilas para fornecer cuidados básicos de saúde a todos aqueles que prestaram um serviço único ao seu país. No ano passado juntou mais de 36 milhões de libras com esta campanha, e praticamente toda a gente no país anda com uma papoila na lapela. Na televisão todos os apresentadores a usam, e os políticos nunca arriscariam serem vistos sem uma. Cartazes aparecem por todo o lado, todas as estações de metro de Londres estão decoradas a propósito, é um dado adquirido que toda a gente participa nesta homenagem.
A tradição de vender estas flores remonta a 1921, quando Moina Michael se inspirou num poema de 1915 de John McRae para começar a vender papoilas para caridade aos ex-combatentes. McRae foi médico nas trincheiras da Primeira Grande Guerra e num dos seus poemas faz referência à única flor que crescia nos terrenos arrasados pela guerra: a papoila. O poema é devastador e dramático:
In Flanders' Fields
John McCrae, 1915

In Flanders' fields the poppies blow
Between the crosses, row on row,
That mark our place: and in the sky
The larks, still bravely singing, fly
Scarce heard amid the guns below.

We are the dead. Short days ago
We lived, felt dawn, saw sunset glow,
Loved and were loved, and now we lie
In Flanders' fields.

Take up our quarrel with the foe;
To you from failing hands we throw
The torch; be yours to hold it high,
If ye break faith with us who die
We shall not sleep, though poppies grow
In Flanders' Fields.

Ao ver estas demonstrações de solidariedade não consigo deixar de pensar em todas as indignidades sofridas pelos ex-combatentes Portugueses, especialmente os da Guerra do Ultramar. Aqueles que ao serviço de Portugal deixaram parte deles em terras longínquas, aqueles que hoje têm hoje de lutar por pensões de miséria, aqueles que tiveram de lutar contra hipócritas juntas médicas durante dezenas de anos para serem reconhecidos como feridos de guerra, aqueles que ainda hoje em dia têm dificuldades em lidar com aquilo que viram e aquilo por que passaram. 
Ninguém merece ser tratado como um fantasma incómodo quando regressa de servir o seu país, concorde-se ou não com as razões da guerra pela qual lhe foi pedido que lutasse. Os Ingleses nisso oferecem um exemplo ímpar a seguir.



3 comments:

  1. continuo sem saber lá muito bem lidar com realidades que vivi há cerca de 40 anos atrás.Mas por muitas e más que sejam,são problema meu e sou eu que tenho que saber resolver. Mas por isso mesmo, o que me custa mais é ter que conviver com este esforço colectivo em apagar memórias e uma história que por muito incómoda que seja, existiu.

    Não entendo o porquê do que para uns é honra para outros é vergonha.Talvez um dia se perceba.

    O que escreveste é certamente uma contribuição para essa tão necessária atitude de esclarecer os porquês de as coisas acontecerem e das interrogações e angustias dos interpretes que as viveram.

    obrigado por isso
    abraço
    MV

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  2. Os soldados ingleses morreram a escassas centenas de quilómetros de casa, a defender uma população que sentiu na pele os efeitos da guerra (via bombardeamentos, racionamentos,...). A última guerra portuguesa foi travada longe da vista - talvez por isso o distanciamento.

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  3. A geração dos nossos pais, esteve no ultramar. Quase nenhum deles era voluntário. O que passaram, seja violência física ou psicológica, irá acompanhá-los até ao fim da vida. É realmente triste, voltarem para a casa que foram defender, e não reconhecerem o sacrifício que fizeram. Não compreendo a disparidade entre as pensões dos políticos, e as pensões dos ex-combatentes do ultramar!
    Os valores pelos quais este país se ergueu, há muito foram esquecidos, assim como todos os que por eles lutaram...

    Il duce et decorum est pro patria mori

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